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Controle Financeiro

Coronavírus derruba bolsa e reduz ganhos em investimentos

Após recorde de investimentos de pessoas físicas, a Bolsa de Valores cai 10% e sofre com a pior queda desde 2015. Avanço do coronavírus é o principal motivo para o baixo desempenho

por Elaine Ortiz

Atualizado em 11 de fevereiro, 2021

Coronavírus derruba bolsa e reduz ganhos em investimentos

Se 2019 foi o ano que a Bolsa de Valores quebrou recordes atrás de recordes, dobrando o número de pessoas físicas com investimentos ativos -- mais de 1,5 milhão de brasileiros compraram ações no ano passado --  e batendo seu recorde histórico de pontuação em termos nominais (sem contar a inflação), na qual pulou de 88 mil para 116 mil pontos, 2020 já pode, talvez, ser considerado um ano para esquecer. E só estamos no início do terceiro mês.

No ano, a Bolsa brasileira caiu 10%, o pior desempenho anual desde 2015, quando a Bolsa caiu 13,3% em um período marcado pela abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT). O motivo mais evidente para o despencar é o avanço do coronavírus, o COVID-19, que está presente em todos os continentes, exceto na Antártica, e já infectou quase 90 mil pessoas, levando mais de 3 000 a óbito. 

Os impactos do coronavírus ressoaram na economia mundial. Por aqui, a quarta-feira de cinzas (26) ficou marcada como o dia em que o tombo foi dramático: as empresas de capital aberto brasileira perderem 290,2 bilhões de reais em valor de mercado, montante que supera o valor de mercado do banco Itaú Unibanco, de 288,4 bilhões de reais. Só nesse dia, os quatro maiores bancos de capital aberto (Santander, Itaú Unibanco, Banco do Brasil e Bradesco) perderam  50,5 bilhões de reais.

E o dólar, que já estava em plena escalada, fechou em alta nesta quarta-feira (4) pela 11ª sessão consecutiva, batendo, pela primeira vez, a cotação de 4,57 reais. A elevação de 1,51% foi a maior alta percentual desde 8 de novembro de 2019, quando a moeda subiu 1,82%. 

Para o investidor brasileiro que se sentiu animado e se encorajou a colocar seu dinheiro em renda variável por conta do ciclo de baixa da taxa básica de juros (Selic), que hoje está em 4,25% ao ano, menor patamar desde o início da série histórica em 1996, o cenário de queda da bolsa se apresenta como desanimador. Como se comportar neste momento de incerteza? 

O Portal Exponencial conversou com Roberto Cardassi, especialista em investimentos de multimercados, fundador e CEO da BlueBenx. Confira a entrevista.

Leia também: Coronavírus: especialista explica os impactos na economia

O coronavírus vai continuar impactando a bolsa brasileira?

Por algum tempo sim, acho que o primeiro trimestre do ano vai ser extremamente impactado pelas notícias e pela evolução dos vírus e temos dois próximos trimestres pela frente que vamos ter que colher de verdade os resultados disso, já que hoje ainda não é possível medir o impacto que vai ter desse surto por conta das ações do governo para tentar minimizar.

Mas aqui já refletiu muito? A bolsa teve uma queda impressionante na última semana.

Se a gente fizer essa reflexão vamos perceber o seguinte: que é mais especulativa que de fato real no sentido de ter uma análise mais profunda. Por que? Se a gente considerar o Ibovespa estamos falando de contratos, contratos futuros, de ações de empresas que dependem da importação ou exportação para o bloco asiático -- a China, sendo um dos maiores parceiros comerciais do Brasil. O reflexo do impacto da economia americana, que hoje também tem uma dependência grande da produção chinesa.

Só que tudo isso ainda não refletiu de fato na produção real. Imagina que todo esse movimento foi especulativo do mercado, o que é natural que o investidor, por comportamento histórico, sempre que tem um mercado que oferece um risco maior ele procura outros mais seguros. Não é a toa que a gente vê essa valorização do dólar, de alguns papéis até. 

O que a gente entende hoje é que estamos vivendo um momento muito frágil, situação de mercado totalmente não calculada, não esperada, e os efeitos dela também. Quem garante que os efeitos vão se resumir ao que aconteceu até agora?

Ontem teve um recuo porque o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), optou por cortar meio por cento da taxa de juros, isso já foi uma ação, o próprio Banco Central do Brasil vem fazendo leilões constantes do dólar para tentar conter a alta e, fora isso, são essas mensagens de otimismo na linha "o coronavírus recuou, não temos um problema tão grande assim". Até então estamos coletando indicadores num momento de muita especulação.  

Em meio a tanta especulação, o que é real? 

Podemos dizer que o real, de fato, é que as exportações da China vão atrasar, porque ninguém nunca fez estoque, já que a China nunca deixou de entregar, mesmo na época do S.A.R.S. ainda conseguiu manter um compromisso de entrega de produtos e de matéria prima, o que nunca fez o mercado pensar que precisaria ter um backup.

O tempo que  isso vai levar para chegar e o tempo que vai levar para colocar a produção em dia, para conseguir seguir com os pedidos que estiverem ainda abertos, tudo isso gera uma reação em cadeia, em que as empresas, que hoje estão com essas ações, não devem conseguir cumprir com as metas de lucro do trimestre, do semestre muito provavelmente e talvez até do ano. Vamos torcer para que não. Isso vai impactar diretamente no sentimento de otimismo do investidor, que é o que de fato acaba trazendo esse mercado para cima ou para baixo.

Leia também: Coronavírus mata centenas e abala economia. Relembre outros casos

Com o ciclo de baixa da taxa básica de juros, mais brasileiros passaram a investir em renda variável, mas esses novos investidores não estão acostumados com o sobe e desce da bolsa e podem se assustar com os impactos de fatores macros, como  coronavírus, em seus investimentos. Qual sua recomendação para os investidores que acabaram de começar a investir na bolsa?

Investidor que parte para bolsa tem que saber que não mexendo e não está operando na poupança, ele não é renda fixa, a primeira coisa que ele tem que entender é isso, não é uma coisa que todo mês vai ter um pouquinho, na linha do “pouco, mas seguro”. Isso, inclusive, é um conceito um pouco antigo, a poupança já não é o que era, os produtos de renda fixa não são o que eram.

Um detalhe interessante é que nós, seres humanos, não estamos preparados para perder, a gente está sempre preparado para ganhar, se alguém falar que você pode ter 7, 8, 10, 11, 15% de rendimento num produto no ano, por exemplo, você, automaticamente quando investe, está contando com isso. Ou seja,  quem investe é otimista, está sempre buscando ganhar.

Uma recomendação que eu digo para quem vai fazer qualquer tipo de investimento é  sempre analisar o histórico do mercado, sempre analisar as condições de como esse investimento funciona e, as vezes, é importante até responder aqueles questionários que analisam perfil, para saber se é conservador, moderado, arrojado. 

Uma pergunta muito importante que costuma ter nesse tipo de questionário é sobre o comportamento do investidor: “Você investiu 10 mil reais, perdeu 2% naquele momento, o que você faz? Sai? Investe mais? Espera para ver se recupera? Essa é uma pergunta que praticamente exclui todas as outras. Se você parar para pensar e é justamente isso.

Se o mercado estiver ruim e você começar a perder qual é a primeira reação  que você tem? Você sai? E como sai? Espera recuperar por acreditar no mercado, então é uma pessoa otimista? Ou pensa em não investir mais porque irá diminuir ainda mais o preço de entrada e irá aumentar o spreed de saída? Esse tipo de análise, se todo mundo fizer quando começa a investir, acho que ajudaria muito as pessoas que ainda não estão acostumadas a saber como realmente vão se comportar.

Vale também até aquelas recomendações um pouco repetitivas: as pessoas não podem investir o dinheiro que irão precisar num espaço de tempo de curto prazo, tem que ter uma estratégia, saber que vai ser por um prazo X para ter um retorno. Não pode ser o dinheiro de reserva, que amanhã vai ter que sair com urgência e pagar a alíquotas do fundo. Esse é um ponto importante.

E sempre estudar, porque quando se trata de dinheiro o conhecimento é um termômetro das suas reações com relação ao mercado. Se você conhece um pouco vai saber identificar se aquilo é momentâneo, se é uma crise, uma pré crise, uma bolha, uma situação de sair e tirar as posições e ficar paradinho do lado. Porém o mercado financeiro por si só, pela quantidade de opções que existem hoje de investimento, é importante dar uma e estudada porque se torna complexo mesmo. Tem várias opções na bolsa, tem ações  com comportamento diferentes, objetivos diferentes, tem hoje o mercado cambial, o mercado imobiliário, então é importante analisar antes de investir e sempre que puder, o ideal é procurar uma assessoria qualificada para auxiliar, porque isso também facilita bastante, dá mais segurança na hora de começar a investir.

Leia também: Recorde na Bolsa: como vencer o medo e começar a investir?

Qual vai ser o comportamento do investidor? Corremos o risco de ter um efeito manada, muita gente desistindo dos investimentos e voltando para renda fixa por medo de mais oscilações?

Por mais que as pessoas ainda não estejam preparadas para o vai e vém do mercado, para essa oscilação toda, elas acreditam, na sua maioria elas são perseverantes. Não acho que vamos ter no Brasil o comportamento do investidor oportunista, acho que o pessoal se apega muito ao tempo que aquilo está dando certo. Mas lógico, nós brasileiros somos ansiosos e imediatista por natureza, então a bolsa da disciplinada nesta ansiedade que temos. 

Além disso, investimento é um sentimento. Investir é uma ação de sentimento que você tem de uma possibilidade de ganhar alguma coisa, de ter uma situação melhor da que você está hoje para o futuro. Às vezes investir parece algo automático, um costume, mas na verdade não. Quando se trata de dinheiro tem sentimentos que podem ser muito cruéis, como investir num relacionamento que não dá certo e sofrer.

Investir num fundo, numa ação que cai, você está sofrendo também. Essa reação da perda ou de um momento mais negativo é muito pessoal, difícil contabilizar, mas se analisar por sentimento público, por sentimento social, os indicadores que temos hoje em dia e também o comportamento do investidor brasileiro, temos a seguinte situação: o investidor que chegou até a B3 e chegou a se qualificar e a investir ou através de uma corretora, na sua maioria, num momento de oscilação, vai pensar se vale a pensa sair.

Quando é o momento de assumir a perda? Se estou perdendo qual o momento de assumir essa perda? E se eu perder tenho como recuperar em algum lugar? Então o sentimento de quem começa a investir, dá esse passo, cria uma conta, faz um aporte, aposta em alguma ação, ou através de algum fundo multimercado, quando ele tem um momento desfavorável o primeiro pensamento dele é "quando é o momento de parar?" E ai você tem um mercado que oscila, que um dia está ruim, um dia está bom, e esse sentimento também vai permear na tomada de decisão. 

Agora o que é importante, a gente está falando num cenário normal de mercado. Quando a gente olha o mercado com adventos como coronavírus, S.A.R.S., guerra do Iraque, conflito EUA x China, aí estamos falando de adventos maiores. Nesse caso, eu diria que mais de 50% desses investidores são extremamente reativos, porque o desconhecimento dos efeitos é muito grande. Nesse momento ele tem muita dúvida e se tiver perdendo pouco ele vai querer sair, agora se tiver já exposto no mercado, perdendo mais de dois dígitos de prejuízo, aí a decisão vai ficar mais complicada e provavelmente ele vai permanecer.

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Sou novo investidor, comprei ações, mas estou preocupado com essas incertezas. O que fazer diante deste cenário de insegurança?

Primeira coisa é calma. Calma porque oscilação também é vida. Sempre tem alguém perdendo, sempre tem alguém ganhando no mercado. Isso é fato. A gente não pode esquecer que a essência do mercado de capitais é baseado no interesse, se muitas pessoas estão comprando a ação aumenta o preço, se muitos querem vender a ação cai o preço, isso nunca vai mudar, esse modelo lembra até o feudalismo.

A questão da oscilação está diretamente ligada ao interesse do mercado e esse interesse sofre mutações, sofre influências, que são as notícias políticas, sociais, econômicas, financeiras e de adventos desconhecidos do mercado, como agora o efeito do COVID-19. 

Precisa entender que depois que você entra no mercado você  tem que saber olhar essa oscilação, essa alta e baixa de preço, também como oportunidade. Tem o investidor que entrou no mercado em alta e que foi tão crente que só ia ganhar dinheiro que, na hora que começou a perder um pouquinho, em vez de sair e esperar para ver a reação do mercado, continuou lá e agora está posicionando com prejuízo de 7, 8, 10%. Com certeza teve gente que fez o contrário: tem gente que está entrando nesse momento, comprando com menos 10%, apostando que vai voltar para o  preço que estava e ele vai ganhar 10%. O mercado é feito dessa forma, você saber olhar essa oscilação também como ponto positivo é importante.

Outra dica importante: não se exponha 100%, porque você pode ter uma oportunidade de mercado de comprar mais num preço melhor. Então qual o segredo? Se você está com seu capital disponível, primeiro nunca exponha 100% do seu capital, nunca compre tudo, nunca gaste todo seu dinheiro.

Defina uma meta de ganho. A meta de ganho ninguém quer definir porque todo mundo quer o infinito de lucro, mas defina o seu limite de risco. Quanto você está disposto a perder? Hoje as corretoras, as plataformas de investimento, tem dispositivos que ajudam a colocar esses stops, a parada da perda, e que você já pré configura que se a ação bater aquele valor você já vende e sai. Fez isso e fica de olho porque em outro momento, se cair mais, você pode comprar de novo e tentar recuperar o que perdeu.

A dica mais importante é acompanhar o mercado. Não é poupança. O mercado oscila todo dia e as especulações das notícias mexem ainda mais o mercado. Ou seja, acompanhe o investimento que você fez, tome decisões importantes, estabeleça limites de perda, nunca  exponha todo seu dinheiro de uma única vez, não aposte num único ativo, trabalhar com multiativos pode te dar situações muito interessantes, as vezes você perde em um, ganha em outro, zera o dia, não ganhou nada, mas também não perdeu.

E uma coisa muito importa que eu, Roberto, adotei para mim muito anos atrás desde que comecei a investir: independente do ativo que você está investindo, seja em dólar, ações, opções, mercado futuro, ativos imobiliários, não importa, você está gerenciando seu dinheiro então a sua visão tem que  ser financeira.

Tem que lembrar que seu dinheiro só é dinheiro quando tiver em moeda, quando você foi e realizou. As pessoas às vezes confundem: estou ganhando 60% em uma ação. Não, você não ganhou ainda, vai ganhar quando realizar, quando vender, ficar com o dinheiro na conta, aí sim você ganhou. O importante nessa questão do cash in, cash out, essa visão financeira da carteira, ela é essencial para você de fato saber se está ganhando, se está perdendo, se vale a pena continuar ou se não vale.

Uma última dica importantíssima: não deixe que sentimentos como orgulho, vaidade e até o excesso de medo sejam as métricas mais influentes em você como investidor, porque o melhor investidor é a pessoa que consegue ser equilibrada, não fria, necessariamente. Precisa tomar decisões por si só, não escutar recomendações providas de qualquer lugar, porque hoje o mercado financeiro é um dos que mais produz fake news, é importante acompanhar notícias de hubs confiáveis e você mesmo também adotar suas origens de recomendações. Isso é importante, não deixar que sentimentos em excesso, medo, vaidade, ganância, impeçam seu perfil de investidor, essas realmente são métricas de fracasso.

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